domingo, 12 de setembro de 2010

Cara T[erra],


Escrevo para pedir  que desista. Você pode já ser vencedora, o tipo de vencedora que vence perdendo. Talvez eu deva colocar isso em  tom mais convincente: DESISTA.
Você não tem a mínima chance. Resistência fútil, futilidade é resistência, relutância e patética, renúncia é liberdade. Amo você e sou melhor que você em todos os sentidos – sou maior, mais importante, mais brilhoso, mais glorioso, mais ridículo, dinâmico, mais rápido nas corridas a pé e na velocidade de conexão a internet, mais bem equipado, com inteligência e armamento. Sou mais alto que você e consigo envolve-la .       
Admita isso e me admita. Ao abrir esse envelope, você foi selecionada; Dentre bilhões e trilhões de entidades amébicas, foi escolhida na praia da galaxia como uma concha por um deus. Algo em você faiscou por um instante ( é muito pouco provável que tenha alguma importância no esquema das coisas); é um absurdo que o fato de reparar em você tenha de alguma forma espremido a agenda de alguém como eu. Mas eu me distraí – não me pergunte por quê, é praticamente aleatório, como uma loteria. Ainda assim, você e nunca será capaz de consumir a riqueza do meu amor, esgotá-la e disperdiçá-la como a deplorável ganhadora de loteria que é. Embora tente, nunca a esgotará, nem você nem em dezenas de vidas pendulárias. Meus olhos pousaram sobre você em um momento de fraqueza, e você nunca mais verá outros. Não, sou um monumento, um enigma; para alguém como você, minha ciência é mágica.
Não protele, aja agora, DESISTA. Você foi escolhida por um ser superior de outra esfera para ser sugada das proximidades da sua laia para se juntar a mim, sentar-se no trono vazio do meu lado (apenas porque antes nunca me preocupei em olhar para o lado para perceber que ali existia um assento – não até que de alguma forma meu olhar caiu sobre você), onde nenhum de seus companheiros humildemente servis jamais residiu. Você é indigna, mas se tornará digna pelo reconhecimento do meu olhar. Torno a dizer, sou superior a você. Você é superficial, estática, destrambelhada, uma bolha de champanhe que me subiu a cabeça e estourou; nem sequer sei por que a desejo e é melhor eu não me dar a chance de pensar duas vezes. Você vai descobri que previ suas reações. São débeis e ridículas, inúteis e ternas, e você já  murmurou sim se apodere de mim sim como posso resistir sim me entrego sim. Então, faça agora o que estou dizendo. Você já o fez,  está em meus braços como um bebê, uma pupila, um cisne. Desista,  você já desistiu, você é minha.
Com amor,
M[arte]





 [Jonathan Lethem]
no livro Carta  para você

terça-feira, 7 de setembro de 2010

ENSAIO SOBRE AMORES PEQUENOS

É disfarce. Tento recompor as minhas falas. Tento dizê-las com harmonia para te convencer. Para te entorpecer. E ainda assim é disfarce. Não é mentira. Não é faz-de-conta. Não é vazio. É disfarce. É constrangimento por não caber em nós o que só existe em mim. É desperdício, por não achar confortável o que há em você. É disfarce. É lingua estrangeira. É barulho. É absurdo. Quase absoluto. É um amontoado de misérias disfarçadas de afeto. É disfarce. É ensaio sobre amores pequenos.


[Tati]

Mais pequenas doses aqui